A um jovem Poeta

Você, que ainda é puro e sabe o quão fundamental é ela para a sua aventura de poeta, fica irado contra os outros, ao sentir que a sua presente agressividade é fruto de um complexo de culpa. É você, não os outros, quem está em crise. E se os outros também o estiverem, razão a mais para você afirmar-se em sua luta, que é a luta de todo poeta, para ajudá-lo a sair dela. Pois você não auxiliará ninguém, muito menos a si mesmo, se seu coração não estiver limpo de ressentimento e sua luta contra "o outro" não for constante. "O outro", não preciso dizer, é você próprio. É o súcubo que, todos, temos dentro de nós; o ser calhorda, comprável com a moeda da mentira e da lisonja, que de repente adota a gratuidade como norma, por isso que a paixão é mais insaciável que o infinito aberto em cima. E a paixão não se vende nunca.
Cada poeta é uma coisa em si, mas todos os poetas devem o mesmo à Poesia: a própria vida. Há, o poeta, que queimar-se e causar sempre mal-estar aos que não se queimam. Há que ser o grande ferido, o grande inconformado, o grande pródigo. Há que viver em pranto por dentro e por fora, de alegria ou de sofrimento, e nunca dizer "não" a ninguém, nem mesmo àqueles que optaram pelo não chorar.
Você meu caro Jovem Poeta, que foi dotado de talento e de beleza, não tem o direito de negar-se ao seu martírio. Só ele pode tornar a sua poesia emocionante. Só ele pode salvá-lo do formalismo em que caem os que se recusam a estar sempre despertos. É preciso que todos vejam a luz que seu coração transverbera, mesmo coberto por bons panos. Não negue o seu olhar de poeta aos homens que precisam dele, mesmo tendo o pudor de confessá-lo. Abra a sua camisa e saia para o grande encontro.
Vinicius de Moraes

domingo, 27 de junho de 2010

O camiho Mudou?


Todos os dias, um homem descia no profundo da terra para cavar o sal. Levava consigo uma lanterna. Uma tarde, enquanto voltava de um túnel escuro e perigoso, sua lanterna caiu e se apagou. No começo o homem pensou ter problema. Fazia aquele percurso há tantos anos e achava que com ou sem lanterna dava no mesmo. Podia até fechar os olhos, pois sabia tudo de cor. Não precisava dela. Chegou a pensar que, sem lanterna, tinha algo a menos para carregar. Deu tudo errado. Logo que começou a dar os primeiros passos, um dos pés caiu na valeta onde corria água. Retirou o pé às pressas e imaginou que estava se esquivando da vala. Caiu na água. Levantou a cabeça e bateu nas pedras que estavam por cima.  “Como é? Será que a caminho mudou?” – disse a si mesmo. Experimentou se mexer mais um pouco, tentou avançar engatinhando. Batia contra as paredes e acabou todo arranhado. Logo reconheceu que, naquela escuridão, estava completamente perdido. Nenhum ponto de referência funcionava mais. Parou de vez. Esperou com paciência que alguém, percebendo a sua falta, fosse buscá-lo com uma lanterna, ou mesmo com um pedaço de vela.
Pode ser uma história inventada, ou um caso da vida. Com certeza todos experimentamos muita insegurança, quando ficamos na escuridão. A luz, por mais fraca que seja, faz muita falta. Podemos pensar, lembrando o evangelho deste domingo, que os samaritanos erraram em não acolher Jesus. Falaram mais alto os preconceitos e as divisões religiosas. Eu gostaria, porém, de chamar  atenção sobre o restante do evangelho, quando Jesus dá “conselhos”, se podemos chamá-los assim, aos que queriam e querem segui-lo.
Antes de falar da coragem e da determinação na decisão de sermos discípulos do Senhor, precisamos entender o que está em jogo. Muitos de nós achamos que a fé não serve para quase nada. Pensam que é mais um peso a carregar na vida. Isso acontece quando entendemos o nosso “ser cristãos” mais como um conjunto de obrigações enfadonhas e atrasadas do que um real e empolgante projeto de vida. No entanto, quem acolhe a luz da fé começa a enxergar as coisas e os casos da vida com um olhar diferente. Permitam-me chamá-lo de um olhar “libertador”. É isso que Jesus pede a quem quer segui-lo. Quem está atrás de riquezas, posição social, prestígio, logo ficará decepcionado. Jesus não tem onde deitar a cabeça. Assim também quem quer esperar que aconteçam outras coisas, e deixa a resposta ao chamado para depois, acaba sempre encontrando uma desculpa. Não é o pai, coitado e ainda vivo, que atrapalha a generosidade do possível discípulo. É o seu deixar sempre para depois. Para outra ocasião. É a famosa próxima vez que nunca chega. Assim também Jesus reclama dos que põem mão no arado, mas depois continuam a olhar para trás. Desse jeito ficam sem rumo. A vida abre-se à frente deles, mas eles olham em outra direção. Nunca se sabe se estão decididos mesmo, ou se ainda estão pensando o que fazer. O olhar deles revela claramente essa indecisão. Fazem parte daqueles que se arrependem de ter começado a seguir Jesus e gostariam voltar atrás. Existem também aqueles que não entenderam, ainda, o valor da escolha que fizeram. Tomaram uma decisão, no entanto parece que o que deixaram para trás continua sendo demasiado atraente. Nem todos conseguimos, como São Paulo, chamar de “lixo” o que não escolhemos. Isso não por falta de respeito ao mundo e às suas coisas, mas, simplesmente, porque descobrimos algo bem mais valioso.
É por isso que falei de libertação. São tantas as amarras, as correntes e as raízes que nos prendem. Quebrar ou cortar é sempre sofrido. Toda decisão é sempre renúncia de outra. Pensando bem, todos escolhemos, no final, aquilo que consideramos melhor. Para alguns o melhor é não acolher Jesus como os samaritanos. Para outros, é buscar riquezas materiais. Há  ainda os que consideram  melhor esperar toda a vida, deixando sempre para depois. Enfim, para alguns, o melhor é o que ficou para trás. Viverão sempre arrependidos e com saudade.
O melhor é mesmo segurar a luz da fé, não deixá-la apagar nunca. Será com essa luz que viveremos novos relacionamentos com os bens, com a família, com os irmãos e com o próprio Jesus. Sejamos agradecidos se ainda seguramos esta luz acesa. Não ficaremos perdidos e saberemos para onde estamos indo.

Dom Pedro José Conti