De que maneira, em um mundo atravessado por um turbilhão de imagens, o Cinema ainda pode expressar valores essenciais e permanentes que nos levem ao conhecimento do Outro e ser um veículo para a manifestação de experiências que configuram o campo vivencial presente naquilo que chamamos de Religião?
O que vale é se esse filme é capaz de revelar as dimensões da busca do ser humano por sua face verdadeira, por uma espiritualidade forte que provoque a manifestação da transcendência.Por exemplo, em A Estrada da Vida, de Federico Fellini, ao final do filme, o brutamonte Zampanó, solitário, contempla o céu estrelado, o vazio de sua alma, arrepende-se do modo como abandonou Gelsomina, sua parceira de andanças e chora profundamente. Nesse instante, ao encontrar-se consigo mesmo, com sua torpeza e egoísmo,defronta-se com o Totalmente Outro e essa é uma intensa experiência espiritual que o filme revela. Também os monges em Homens e Deuses, ao decidirem permanecer na Argélia, sabem que aquele é o seu único lugar no mundo e que não haverá outro.Fiel à sua vocação realista, o Cinema tem a possibilidade de expressar uma vivência mais vertical da problemática humana, integrando o sagrado àquilo que está perante todos, todos os dias, no mundo que se manifesta a cada um de modo diferente, sendo sempre, porém, o mesmo mundo.
É a capacidade de desvelamento do real o que fascina no Cinema, não mais condenado a traduzir, a representar uma verdade que lhe é exterior, mas ser um instrumento de revelação que conta com os movimentos interiores do espectador, libertando-o da necessidade de acompanhamento das evoluções previsíveis das narrativas e dos significados do cinema clássico.Nesses movimentos e percursos sempre haverá espaço para a indagação humana: por que existe alguma coisa ao invés de nada? Por que sempre buscamos esse ALGO, essa dimensão da vida que a Poesia e o Mistério parecem por vezes tocar?Certos filmes possibilitam experiências que apontam na direção de uma espiritualidade que compartilha valores básicos, entre crentes e não crentes, valores fundamentais que incorporam a dimensão do sagrado ao cotidiano, fazendo disso um modo de conhecer e apreender determinadas dimensões do real que afasta a todos nós dos fundamentalismos que profanam a vida.
Ney Costa Santos
Professor do Departamento de Comunicação da PUC-Rio
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